Por Madiano Marcheti
Estava ansioso. Via que suas mãos suavam, mas sentia aspereza nelas. O ambiente lhe era estranho, nunca estivera ali. Era o próximo, uma mulher estava sendo atendida. A indecisão tomou conta de seus pensamentos. Precisava fazer, se não o fizesse seria perdida a chance de homenagear o que provocou grandes mudanças em sua vida, que o ajudou a crescer e pensar. Sabia que se escolhesse tal nome, para seu filho, sua mulher o detestaria até o fim da vida. Era necessário. Tantos anos de devoção.
Pode vir o próximo! – anunciou o escriturário.
Ele foi. Mas a indecisão continuava. Era tão importante para ele que seu filho tivesse o nome que permeava sua cabeça nos últimos 10 anos. Era importante...
O gosto pela coisa e a fixação pelo nome aconteceram naquela noite. Todos estavam reunidos para ver o estúpido ritual de “estripamento” do peru que logo seria preparado para a ceia. Os pais de Santiago riam e se deliciavam com a cena macabra. Não só eles. As tias, gordas e católicas fervorosas, incentivavam a dona da casa, avó Tida, a “estuprar” o animal. Santiago era o único desinteressado na cozinha, talvez porque acabara de completar 15 anos e o espírito rebelde-aventureiro se apossara dele. Mas o fato era que ele detestava festas de família - e se orgulhava disso. Dizia a seus amigos que se achava a frente da sua geração, “que se orgulhava da sua apressada maturidade”. Enquanto seus amigos brincavam de futebol, ele ouvia discos do Jimi Hendrix. Os amigos subiam em telhados para testar os binóculos caseiros espionando vizinhas nos banheiros, enquanto Santiago ouvia John Lennon e Janis Joplin.
Lia também. Não só gibi ou mangá. Lia livros. Coisa que seus amigos não imaginavam, pois se soubessem, em pouco tempo Santiago perderia o trono de liderança do grupo, conquistado a tanto custo.
A cena da mão de sua avó dentro do peru o horripilava, fazia-o lembrar um site pornô que Juca, o menino pervertido – como era conhecido - havia lhe apresentado dias atrás. Enojado saiu da cozinha e foi até a sala em busca de ar, som ou TV – sabia que na casa dos avós era impossível ter um computador, muito menos com internet.
Foi na sala que ele encontrou!
Digo isso enfaticamente porque a partir desse momento, que Santiago encontrou o que seu avô escondia de todos, sua vida mudaria, completamente.
O objeto não era pesado, mas possuía um cheiro estranho, diferente de tudo que Santiago já havia sentido ou usado até então. Pegou o objeto em mãos, era estranho e lindo. Ele precisava experimentar. Olhou em direção a cozinha e viu que todos ainda estavam lá, o sanguinário ritual ainda não havia terminado. Viu o avô e pensou, oposto aos costumes da família, por que ele teria tal objeto em casa.
Seus avós eram muito religiosos, puritanos ao extremo. Santiago era discriminado na família porque tentara, por três vezes, deixar o cabelo crescer. Impossível com a família que tinha. Desistiu do desejo no momento, mas planejava sua vingança quando completasse 18 anos. Cabelo comprido, barba, brincos, tatuagens (em partes especificas do corpo que seus pais detestariam)...
O objeto parecia antigo. Santiago concluíra que seu avô não usava há muito tempo. A curiosidade foi aumentando junto com o desejo de se tornar um exilado do ritual familiar que acontecia. Precisava de um lugar mais reservado, pois aquele ato necessitaria de extrema concentração. Além de tudo, Santiago, não imaginava os efeitos que aquilo poderia trazer.
Sempre fora desafiador e aventureiro. Aos 8 anos havia passado por experiências piores – Santiago dizia que o seu oitavo ano era o ano que definiu a sua sexualidade - afirmava fortemente isso aos seus amigos, e dizia sempre com um certo orgulho da sua “apressada maturidade”.
No ano que firmara sua sexualidade, Santiago descobriu o que era uma revista pornográfica - ou de mulher pelada como diziam.
Ainda mais. Descobriu a fonte. Ele não lembra como, mas acabou descobrindo o acervo, invejável, de revistas de “entretenimento” masculino de seu pai. O velho escondia alto. Na última gaveta do último compartimento do guarda-roupa.
Precisava ver, olhar, folhear – descobrir.
Sempre que a curiosidade afetava Santiago, ele agia. Dessa vez ele agiu, mas agiu mal. Pegou uma cadeira e posicionou na frente do inimigo – que naquela época era muito alto para ele, pois sempre fora um menino mirrado – subiu, caiu, foi socorrido, fraturou um braço, veio o castigo,...
O ritual ainda continuava. Encontrou o lugar reservado. Era perfeito para a execução do ato. Observou se ninguém o observava. Tudo limpo! É agora...
Sentiu... não houveram alterações psíquicas e físicas... mas sentia que aquilo o levaria a dependência psicológica!
Tarde demais!
Foi rápido, sentira uma paz como se seu corpo estivesse sobre um colchão de plumas e ao mesmo tempo pregos. Sim. Pois os efeitos eram paradoxalmente inquietantes. Irritante e suave.
Talvez os efeitos fossem devastadores porque era do puro, do legítimo.
Depois daquele dia, da experiência, não largou mais. Pelo contrário, disseminou. Usava todos os dias.
Como líder apresentou ao grupo de amigos, todos gostaram. Até uma seita eles criaram. “Os adoradores primeiros de Zimmerman”.
Parabéns! Qual vai ser o nome da criança? – perguntou o escriturário.
As histórias de sua infância e de como conhecera, a primeira vez que usara, até a seita em homenagem ao objeto, permearam suas lembranças durante o trajeto do banco até o balcão onde o escriturário o esperava, com certa impaciência.
Parou, pensou, pensou, parou...
Oi! O nome dele será...é... Zimmerman... Zimmerman da silva! (Silva por parte de sua esposa) – dissera com tanta vontade que as pessoas que esperavam ali para registrarem suas proles o observaram com espanto.
Zimmerman? – indagou assustado o escriturário.
Sim! Zimmerman! – afirmou, satisfeito, Santiago.
Robert Allen Zimmerman, mais conhecido como Bob Dylan.
domingo, 25 de janeiro de 2009
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2 comentários:
mto bom, mas como eu disse
isso me lembrou uma pessoa.
hehehe
bons momentos no texto. ,)
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