segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Esperas

por Fernando Gil Paiva

Enquanto caminhava logo bem cedo, antes mesmo do despertar das maiorias, quando os ônibus do fim da madrugada levavam os primeiros trabalhadores para pontos isolados da cidade, parei para sentar e foi quando tudo aconteceu – lembrei-me do sonho que tivera ainda poucos minutos atrás e esse mesmo sonho me fizera lembrar de um segundo fato de um tempo mais anterior.

Foi surgindo o rosto do menino num fundo preto e sem limites. Era apenas uma criança sentada em um banco num longo corredor. Então surgiam outros meninos, crianças quase da mesma idade e gritavam seu nome para que viesse brincar. Foram para um quarto branco e com uma fina divisória no meio. Os que não queriam brincar ficaram deitados, mas a maioria deles se encantou com os pequenos animas, fossem selvagens ou não, de uma coleção de miniaturas. Da divisão viu-se que alguns desses animais tinham uma capacidade artificial de voar por um impulso ou reflexo de um braço incontido. Depois todos pararam e foram deitar-se com os que já estavam.

O mesmo menino do início que fora chamado para a rápida brincadeira saiu do quarto e ficou sentado no mesmo lugar que antes. Viu que ao lado do portal havia um calendário que eliminava constantemente a soma dos dias daquele ano, mais um ano em sua vida. O menino de olhos arregalados e não “com olhos arregalados” saiu andando pelo corredor e depois voltou para o assento.

Das habilidades.

No entanto, podiam reprisar aqueles momentos infinitas vezes que o mesmo olhar e a mesma espera seriam novamente formados naquele interior enigmático e ego esperançoso. O tempo passou e depois de algum tempo eu já não estava mais lá vendo a pequena frota interna de pequenos animais com habilidades de vôo. Eram apenas plásticos criativos. Habilidade maior era própria e inerente àquele indivíduo, que soubera esperar... Espera que ficou marcada a um equivalente de reticências, pois percebo que nunca mais ouvira falar daquele menino. E para mim soa como espera eterna – habilidade de toda uma vida.

Isso poderia ter sido o sonho que me fizera lembrar de algo mais antigo, mas o fato é que há minutos atrás estava eu mesmo naquele longo corredor de espera do hospital que um dia estivemos todos, eu no ponto da espera e agora, sentado aqui, vejo-me na mais corrosiva dúvida. O que terá acontecido a ele? Onde estará o garoto dos olhos destacados?

Das inabilidades.

Que servem para frisar algo que fica como uma lacuna da memória daqueles que também o viram [eu], também como lacuna de vida para ele que todos nos viu, exceto aqueles que tanto esperou [ e que não vieram]. O fato é que em sua chegada ficaram apenas promessas duradouras de pais que nunca voltaram, fosse numa tarde de cartas, manhã de visitação ou noite não mencionada. Em suma, um ser que passou cada momento do seu caminho para cura acompanhado de uma falsa esperança que, paradoxalmente, deverá ter dado suas maiores forças já que sempre acreditou e mais que tudo... Esperou.

Levanto do banco, o sol já aparecendo no céu e as pessoas a caminhar pela calçada atrás. Cada passo incerto leva para um tempo remoto de dias que, quase como um ciclo incerto, parecem revistar minha memória e possivelmente a de todos que contribuíram para aquele momento, estivessem em meio às ilusões das brincadeiras ou deitados pela impossibilidade do ato físico da locomoção.

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